Artigo Por: Eng. Civ. Lígia Mackey e Eng. Ftal. Maria Angela Castro Panzieri
Seca. Focos de incêndio. Desmatamento. Superfícies impermeabilizadas. O cenário conhecido e cada vez mais presente no noticiário brasileiro contribui para a formação de uma discussão tão emergente quanto a do próprio clima, e o foco da vez são as árvores. Com uma série de benefícios cientificamente comprovados, as espécies vegetais desempenham um papel fundamental para a saúde pública.
Já que as ondas de calor estão ficando mais e mais frequentes – segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), até 1990, elas tinham, em média, duração de sete dias por ano, mas, de 2011 a 2020, passaram para mais de 50 dias -, a saída para garantir um melhor controle da hipertensão arterial, alta glicêmica e desidratação, comuns durante os períodos mais quentes, é investir em arborização.
A estratégia vem sendo apoiada por especialistas inclusive de fora da saúde, em fóruns temáticos, como uma ferramenta de combate ao calor extremo e à crise experienciada em municípios pelo país e outras partes do mundo. A explicação está em quanto o processo natural de evapotranspiração das árvores gera melhorias na qualidade de vida, com a purificação e umidificação do ar e do solo. Quando encontradas nos centros urbanos, os resultados são ainda mais promissores, graças à diminuição da temperatura local do ambiente.
Em meio às ilhas de calor formadas pelo adensamento populacional e pela concretização das cidades, a solução é promover o manejo devido das áreas verdes atuais para que, gradativamente, as mesmas possam ser expandidas. O desafio, no entanto, é grande, visto que o engajamento deve ser geral entre os poderes público, privado e sociedade civil.
Isso acontece porque a legislação e fiscalização florestal é regida por órgãos governamentais, enquanto a gestão e conservação recai, muitas vezes, sobre empresas terceirizadas, como é o caso das concessionárias de energia. A população entra em cena quando há vegetação particular, necessitando aqui de outra intervenção, de caráter educativo, dado que grande parte encara de forma negativa, devido ao custo de manutenção, à sujidade da queda das folhas e até possíveis prejuízos para outros bens, desde o imóvel a veículos. Porém, os casos quase sempre são causados pela poda errada ou pelo mal espaçamento de calçados, o que, tecnicamente, não deveria acontecer.
Agregar todos esses agentes para um trabalho efetivo requer políticas públicas adaptáveis às diferentes realidades, pensando que, de uma localidade para outra, mudam tanto as espécies nativas quanto as leis de zoneamento. Sem contar a capacidade orçamentária, o quadro técnico em atuação e o acesso a recursos que a área tecnológica fornece para facilitar esses processos.
O reconhecimento de que a arborização é uma política pública global leva à conjunção do planejamento e da execução. Neste ponto, a estrutura de apoio, com a formalização de conselhos representativos e municipais, pode diversificar os olhares para o tema e servir de facilitadora ao conectar todas as frentes.
Com isso, para tornar as cidades mais resilientes e sustentáveis, devemos, obrigatoriamente, passar por uma intervenção multidisciplinar que capacite pessoas e profissionais para catalogar as árvores existentes e executar o manual de cuidados. Com isso, o inventário passa a ser o instrumento de base para qualquer tomada de decisão e a manutenção ganha reforços preventivos, possibilitando uma esquematização e distribuição do espaço urbano que deixa de depender única e exclusivamente de gestores políticos e passa a ser integrativa, onde o objetivo final é a vida, humana e de outros seres.
*Lígia Mackey é engenheira civil e presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo (Crea-SP). Maria Angela Castro Panzieri é engenheira florestal e Associação dos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos de Garça (AEAAG).