Por: Artur Marques*
Os 92 anos da Revolução Constitucionalista de 1932, celebrados em 9 de julho, demonstraram que não basta conquistar a democracia. É preciso cultivá-la a cada dia e preservá-la, por meio do exercício construtivo da política, discussão civilizada das divergências ideológico-partidárias, respeito às instituições e acatamento ao desejo e decisões da maioria, que é a essência do Estado de Direito. Tal alerta é pertinente, considerando que nas nove décadas subsequentes à luta dos paulistas contra a ditadura de Getúlio Vargas, o Brasil teve outro governo de exceção, ou seja, o regime militar, de 1964 a 1985, e sofreu ameaças de ruptura, como a invasão às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.
A análise da História permite entender melhor o cenário no qual se realizou a Revolução de 32 e suas consequências. Tudo começou no Golpe de 1930, quando, desrespeitando o resultado das urnas, Getúlio Vargas depôs o presidente da República em final de mandato, Washington Luiz, não permitiu a posse do sucessor eleito, o paulista Júlio Prestes, de quem havia perdido nas urnas, e implantou uma ditadura. Em meio às crescentes reivindicações de São Paulo por uma constituição e realização de eleições livres, a situação agravou-se em fevereiro de 1932, com o rompimento do Partido Democrático com Vargas. Formou-se a Frente Única Paulista, com a reaproximação dos antigos membros do Partido Republicano Paulista (PRP), que havia sofrido divisões em momentos anteriores.
A nova frente tornou-se porta-voz das reivindicações pela constituição nacional e eleições livres. Além disso, passou a articular um movimento armado contra o Governo Provisório. Na tentativa de acalmar a situação, Vargas nomeou um paulista de idade avançada, Pedro de Toledo, que morava no Rio de Janeiro, para ser o interventor civil o Estado. Quase ao mesmo tempo, apresentava-se o Código Eleitoral, em fevereiro de 1932, e se anunciavam novas eleições para maio de 1933. Mas, a situação ficou mais tensa quando Vargas autorizou que o município paulista de Vargem passasse para Minas Gerais.
Na ocasião, as faculdades de engenharia, direito e medicina tinham sociedades secretas e se reuniram. Vargas reconheceu oficialmente os sindicatos e legalizou o Partido Comunista, o que aumentou o índice de sua rejeição pelos paulistas. Em 23 de maio de 1932, durante um comício no qual se reivindicava a Constituição, na Praça da República, na Capital, a polícia da ditadura reprimiu os manifestantes, ocasionando a morte de quatro estudantes: Mário Martins de Almeida, Euclides Miragaia, Dráusio Marcondes de Souza e Antônio Camargo de Andrade. A sigla MMDC, com a inicial de seus nomes, passou a ser o símbolo da mobilização. Estava criado todo o contexto para a rebelião.
No dia 9 de julho começou a revolução, sob o comando do general Isidoro Dias Lopes, com a participação dos militares Bertoldo Klinger, Euclides de Figueiredo e o comandante da Força Pública, general Júlio Marcondes Salgado. Foi tomada a então 2ª Região Militar e o povo dirigiu-se aos quartéis pedindo armas. No dia 10 de julho, Pedro de Toledo, advogado e diplomata, foi aclamado pelo Exército e Força Pública como governador de São Paulo, que acabou sozinho na luta pela Constituição, porque não ocorreu o prometido apoio de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul.
No dia 28 de setembro, São Paulo capitulou. Perdeu a guerra, mas ganhou a causa, pois em julho de 1934 foi promulgada uma Constituição democrática, com grandes avanços, incluindo o direito do voto feminino. Porém, em 1937, houve um retrocesso, com Getúlio Vargas impondo uma nova Carta Magna, conhecida como “Polaquinha”, que vigorou até 1946, quando o Brasil passou a ter nova constituição inspirada no Estado de Direito, duradoura até o golpe militar de 1964, cujo regime de exceção estendeu-se até 1985.
Uma parte expressiva da memória da antológica Revolução de 1932 é guardada pela Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP), que nasceu em 1931, um ano antes do movimento, com o principal propósito de defender os servidores, lutar por seus direitos, a gestão democrática do poder público e a prevalência das liberdades individual e coletiva. Numa biblioteca com mais de 30 volumes e na Galeria “Jorge Mancini”, mantemos viva, em nossas sedes na capital, a saga do brado paulista.
Preservar a História contribui para a construção de um futuro melhor. É sob essa perspectiva que também celebramos a Constituição de 1988, guardiã da democracia reconquistada pacificamente em 1985. Que seja perene e conduza sempre nosso país à prosperidade, ao bem-estar da população e à paz social!
*Artur Marques – presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP).